Reminiscências...

O dia tinha começado da mesma forma que qualquer dia banal de aulas começa. A única diferença era que a noite anterior tinha sido de borga com os amigos.
As horas de sono eram poucas, tinha-me deitado tarde, e o horário matinal obrigava-me mais uma vez a levantar-me às 6 da manha. Três horas, era tudo o que tinha dormido, e quando o despertador do telemóvel começou a tocar Robert Miles, só me apeteceu desligá-lo e voltar a dormir.
Reconsiderei, não podia ser, as aulas são para ser assistidas e o 2º ano de um curso superior não é propriamente a mesma coisa que o 12º, para além de que se não fosse às aulas já sabia que teria de ouvir os cotas logo de manhã aos gritos com a conversa do costume, “ pois, vais sair á noite e depois não te levantas, ando a pagar-te as propinas não sei para quê!” (até parece que têm muita razão de queixa, mas enfim, prosseguindo...)
Com algum custo lá me levantei, e foi assim que começou mais um dia, envolvida na rotina diária. Uma hora depois saía de casa, subir a rua e apanhar o autocarro, chegar á estação e apanhar o comboio.
Tínhamos combinado que apanhávamos todos o mesmo comboio, e foi por esse motivo que este dia se tornou diferente. Cheguei demasiado cedo à estação, o comboio anterior ao combinado tinha acabado de sair da estação quando cheguei.
Sentei-me à espera que o tempo passasse e que o comboio seguinte chegasse, de phones nos ouvidos como é hábito desde que me levanto. Tocava “everything will be alright” dos The Killers, e foi nessa altura que senti aquele perfume, o teu perfume, aquele que tantas vezes me embalava nas horas de sono.
Nesse momento lembrei-me de ti como já algum tempo não o fazia. Moras no meu inconsciente há tanto tempo que é inevitável lembrar-me de ti regularmente, mas ultimamente não tinha sido o caso. Não, não me esqueci de ti, claro que não…Como seria possível?! Apenas tenho aprendido a viver sem a tua presença.
Conhecia aquele perfume como se de o meu se tratasse, mas não o sentia à tanto tempo que demorei alguns segundos a perceber de onde o conhecia. Assim que descodifiquei o aroma, foi como se o mundo à minha volta se tivesse evaporado e apenas restasse a tua lembrança.
Nesse momento lembrei-me de tudo em ti, do teu sorriso, da tua voz, das tuas palavras, do teu toque apaziguador.
Recordei a forma como me fazias rir incessantemente até que a barriga me doesse, de como conseguias que adormecesse nos teus braços sem o mínimo esforço, da forma como me dizias “não há problema, podes dormir, eu estou aqui…”.
Relembrei as horas de brincadeira sentados em cima da tua cama, e da forma como me obrigavas a comer mesmo quando não me apetecia.
Lembrei-me dos passeios contigo, da maneira como me tratavas como se fosse especial… Lembrei-me de ti ao mais ínfimo pormenor. E embora já tenha aprendido a viver sem ti, aquela recordação doeu-me como se tivesses deixado a minha vida ontem.
Foste o meu apoio durante tanto tempo, ensinaste-me os valores básicos que qualquer ser humano deve saber valorizar, mostraste-me como se deve levar a vida sempre com um sorriso, mesmo quando as coisas nos correm menos bem. Sim, foi contigo que aprendi a viver a vida desta maneira, a viver um dia de cada vez, porque nunca sabemos o que o futuro nos espera, porque nunca sabemos se há amanha, porque foi assim que partiste, de um momento para o outro, sem dares explicações, sem me deixares sequer despedir.
E ao sentir aquele perfume, ao ver aquele homem que teria provavelmente a idade que tu terias hoje, revi-te, ali, à minha frente, mais nítido do que qualquer outra vez em que fizeste a tua aparição na minha memória. Foi como se tivesses ali, em frente a mim e tivesse agora a oportunidade de despedir-me de ti como anteriormente não tive oportunidade.
Mas não, estava iludida. E embora aquele homem se parecesse mais do que nunca contigo, tive de me mentalizar que era apenas uma miragem, uma ilusão, só mais uma reminiscência do meu passado.
Sim, depois deste tempo todo tive de aprender a viver sem ti, ou melhor viver sem a tua presença física. Guardei-te no teu cantinho e continuas a viver na minha memória como se nunca tivesses partido, como se não houvesse o antes e o depois de ti. Mas por mais que queira fazer de ti um factor de transição e um meio de aprendizagem, o que é facto é que a falta que me fazes aumenta a cada ano que passa e o sentimento que se abate instantaneamente sobre mim cada vez que se aproxima o final do ano é incontrolável e esse dia é passado sempre da mesma forma.
Lembro-me mais uma vez da ultima visão que tenho tua, era ainda uma criança, estavas sentado no sofá, tinhas sono e decidiste ir deitar-te, deste-me um beijo na testa e foste para o quarto. Foi essa a ultima vez que te vi!
Daqui a dois meses esse dia vai chegar…fará 15 anos que partiste, 15 anos de ausência, 15 anos de saudade…
Teimaste em que não houvesse despedidas, talvez porque estás sempre presente.
Para ti será sempre até amanha, até ao dia em que te voltar a encontrar, porque como diz a musica “And I won't forget you, At least I'll try, And run, and run tonight, Everything will be alright”

1 comentário:

Anónimo disse...

oh susana, está tão lindo o teu texto...até me arrepiei com as tuas palavras, parecia que estava a visualizar tudo o que tu descrevias :) tão intenso

mtos beijinhos**********