Gosto / Não Gosto
Foto retirada daqui
Gosto do silêncio da paz e da harmonia dos iluminados. Não gosto da paz podre nem da agonia que se impinge aos mutilados. Gosto da verdade nos olhos de quem fala. Não gosto do blabla de quem mente e nos entala. Gosto da justiça cega, rápida, certeira. Não gosto da vingança insinuante e traiçoeira. Gosto de rimar pacto com intacto. Não gosto que me pisem o bico do sapato. Gosto do namoro com falta de decoro e da ternura com alguma malícia. Não gosto de quem os condena com olhos de policia. Gosto de sonhar que tudo é eternidade. Não gosto de desistir, nem das coisas por metade. Gosto de cães gatos vacas cavalos tartarugas. Não gosto das enguias nem das sanguessugas. Gosto de amar, beber, olhar, cheirar, comer. Não gosto dos que dizem que é pecado ter prazer. Gosto das Amálias, Piafes, das Ellas e Reginas. Não gosto de boatos nem de línguas viperinas. Gosto de papoilas e alecrim aos molhos. Não gosto das pessoas que não me olham nos olhos. Gosto do amor, da entrega, da transcendência. Não gosto da inveja nem da maledicência. Gosto da elegância e da simplicidade. Não gosto de fingir que não tenho esta idade. Gosto do mar, dos lagos e dos rios, da planície alentejana e dos montes vazios. Não gosto do beta do construtor aldrabão, nem do nouveau riche dos primos e tios. Gosto da cor, da luz e da esperança. Não gosto que destruam os sonhos das crianças. Gosto do O’Neill, do Cesariny, do Dali e de todos os poetas que já li. Não gostos dos irresponsáveis que usam sempre um álibi. Gosto de janelas, de vidros e portas. Não gosto de prisões nem de relações mortas. Gosto da natureza, intensa, viva, pujante. Não gosto da caça à árvore, à lebre, ao elefante. Gosto da intimidade e da conversa à luz da vela. Não gosto que espreitem pela minha janela. Às vezes gosto do fado e de uma certa nostalgia Não gosto do fadário da burocracia. Gosto do respeito pela mulher e pela sua condição. Não gosto do machote marialva nem da pinta de machão. Gosto de cinema, de teatro e de magia. Não gosto da rotina que corrói a fantasia. Gosto de gente afável que me transmite calor. Não gosto dos que não dizem bom dia no elevador. Gosto da conversa franca, dos petiscos à lareira. Não gosto das cerimónias nem de falsas boas maneiras. Gosto da dignidade e dos seres de boa vontade. Não gosto dos parlamentos que gozam de imunidade. Gosto de quem é leal e trata todos por igual. Não gosto de quem explora os fracos porque é muito mau sinal. Gosto de gostar e gosto que gostem de mim. Mas ainda mais que tudo gosto de gostar de ti.
Ana Zanatti
DNA Nº341 - 14 de Junho de 2003